quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Desafio 1#| A Traição

  

  Sentaste-te de frente para mim, de modos desajeitados, enquanto esfregavas as mãos tentando obter algum calor desse gesto. Tinha o cabelo parcialmente molhado, mas o teu casaco denunciava a chuva agreste que se fazia ouvir no exterior do estabelecimento. Em cima da mesa que nos separava encontrava-se apenas um cinzeiro com algumas beatas, a minha carteira, o meu maço de cigarros e uma caneca fumegante que continha o meu chocolate quente.
  Levaste algum tempo a ambientares-te ao calor em nosso redor e, enquanto procuravas afastar o frio que te fustigara até ali, os seus olhos serpenteavam por todo o lado sem nunca pousarem em mim. Já eu, pelo contrário, fitava-te, quase sem pestanejar, aguardando com uma paciência fingida e controlada. Aguardava o momento em que te desses conta de que não estavas sozinho e em que começasses a conversa que nos levara ali.
   "Desculpa... Pelo atraso... Fui apanhado no trânsito..." Estavas a enrolar, como eu já sabia que farias, procurando na tua mente uma maneira mais fácil de atingir o cerne da questão.
   "Vai direto ao assunto, por favor, Dan. Já chega de rodeios." Senti o teu corpo ficar muito tenso subitamente e soube que esta não era a maneira como planearas as coisas. Entreabriste os lábios, tentando achar as melhores palavras, voltando a cerrá-los passado um segundo. Era óbvio que estavas a ter dificuldades. Por fim deste-te por derrotado, assumindo uma posição completamente diferente. Endireitaste-te na cadeira, chegaste o corpo à frente, apoiando os cotovelos na mesa e uniste as mãos. Vi os teus lábios descolarem-se e os teus olhos cintilarem com uma certa determinação enquanto a tua voz começava a fazer-se ouvir.
   "Pedi-te que aqui viesses porque..." O destino estava, sem dúvida, a atrasar o assunto que eu mais queria resolver: tu. Quando finalmente estavas prestes a falar, o empregado do bar aproximou-se, desculpando-se por interromper e dirigindo-se a ti, inquirindo-te à cerca do seu pedido.
   "Um copo de whisky, por favor." Disseste, esboçando um vago sorriso ao empregado. Já quase me esquecera do quão amável tu eras com todas as pessoas que abordavas ou que te abordavam e essa memória atingiu-me num ponto crítico do meu ser. O ponto que se recusara a esquecer-te.
  Permaneci calada, ignorando agora o bater descompassado do meu coração e aguardando.
   "Como eu estava a dizer, chamei-te aqui porque acho que precisamos de resolver as coisas. Ainda há muitas pontas soltas por unir e eu preciso de te explicar o que se passou..."
   "A sério que precisas, Daniel? A mim parece-me tudo muito claro, tal como me pareceu naquele dia. Não são necessárias explicações!" Ironizei, suprimindo a minha raiva mal disfarçada. De facto, as coisas não haviam ficado resolvidas entre nós, mas eu não estava certa de querer ouvir o que tinhas para me dizer.
   "Não vás por aí, Jasmine, eu quero resolver as coisas da melhor maneira..."
   "Da melhor maneira?!" Soltei um riso sarcástico algo abafado. "Não há melhor maneira de resolver o que tu fizeste! O que esperavas tu? Que eu visse o que vi, ouvisse o que ouvi e voltasse a cair nos teus braços como se nada se tivesse passado? Como se o problema fosse eu e não tu?" Suspirei. "Porra, Daniel, enganaste-me mesmo bem... Fui tão ingénua ao acreditar em ti..."
   "Por favor, Jas... As coisas não são tão lineares como tu as pintas. Havia mais fatores em causa. Aconteceu, mas não foi premeditado. Nem voltou a repetir-se! Nunca tive como intenção magoar-te!"
   "E eu nunca tive como intenção sofrer como sofri, mas não tive escolha. Ao contrário de ti, que optaste pelo caminho mais fácil." De repente, estava tudo à flor da pele. Todos os nervos incontidos, todas as noites em branco e as lágrimas sem fim. A raiva, o ódio, a mágoa. "Diz-me, o que é que eu não te dei? Porque é que não fui suficiente para ti? O que é que eu fiz de mal? Diz-me!" Tentei controlar a minha voz ao máximo, embora a minha vontade imperativa fosse gritar o mais alto possível, para tentar obter da tua pessoa uma resposta que fizesse toda a dor desaparecer. As lágrimas assomavam-me aos olhos, mas eu reprimi-as, concentrando-me o máximo que podia.
   "Não foste tu. Eu é que fui um imbecil que não te soube dar valor. Eu tinha-te e, sem saber como, deixei-me levar. Eu amava-te. Eu amo-te."
   "Pára! Não voltes a repetir isso! Quem te amava era eu! Tu não sabes sequer o que isso significa... Já não és nenhum puto para largares essa palavra aos sete ventos sem lhe conheceres o significado." Reprimi a vontade de te dizer que ainda te amava. Não merecias sabe-lo e eu tinha de te apagar de mim.
   "Jasmine, eu não qu..."
   "Tu não querias? Era isso que ias dizer? Que não querias enrolar-te com ela? Que não querias fornicar com ela? Ou que não querias que eu descobrisse? Se calhar era apenas isso...não querias que eu descobrisse!"
   "Pára! Por favor, deixa-me falar. Custa-me ver que durante todo este tempo foste corroída por todos esses sentimentos negativos por minha causa, mas tens de me deixar explicar." O teu olhar baixou até à mesa e eu vi os teus ombros sucumbirem ao peso invisível que carregavam. De um momento para o outro o teu rosto ficara cansado e eu reparei então nas olheiras que te rodeavam os olhos. No espaço de um segundo parecia que tinhas envelhecido dez anos e que te curvavas agora perante todo o teu arrependimento. 
   "Fala então. Diz o que tens a dizer, não te irei interromper." Respondi-lhe, remetendo-me então para um silêncio abismal, esperando por palavras que sabia que seriam que nem punhais no meu coração. Mas que importava isso? Toda essa dor já era minha conhecida.
  Uma vez mais vi-te respirar fundo, erguer ligeiramente a cabeça, olhar-me nos olhos e entreabrir a boca. Era agora que tudo regressava para me assombrar ainda mais.

Desafio: Que justificação poderia Daniel formular em sua defesa? E qual seria a reação de Jasmine? 
Quem quiser pode assumir qualquer uma das duas personagens e continuar esta pequena história! Para participar deste desafio basta continuarem a história nos vossos blogues, deixando-me um comentário em que me informem disso mesmo. De seguida publicarei aqui as vossas continuações com respetivos links dos blogues! O que me dizem? Quero ver as vossas ideias! Sejam originais! 

4 comentários:

  1. Meu deus, escreves tão bem!
    Descobri agora o teu blog e já sigo, adorei c:
    Se quiseres passa no meu cantinho e deixa a tua opinião.
    bjs ;)

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  2. Vou tentar fazer o seguimento durante este fim-de-semana e depois publico :D Adorei esta tua história, tens imenso jeito (sabes bem!) :)

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"Se há um livro que queres ler, mas que ainda não foi escrito, então deves ser tu a escrevê-lo."