o poço sem fundo

Nos últimos meses tenho vindo a atravessar aquela que foi, até agora, a fase mais dolorosa e conturbada da minha curta vida e, não me orgulhando disso, pensei muitas vezes em fazer coisas horríveis a mim própria, coisas essas que não fiz, sempre com a esperança que um dia melhor viesse. Essa fase tem vindo a acalmar nas últimas semanas, apesar das recaídas que ainda não consigo controlar, mas tenho me sentido algo melhor e mais contida no desespero que incutia a mim própria. 

Mas hoje voltei a cair dentro do poço da miséria, e, desta vez, parece que o fundo do poço está ainda mais longe. Sinto-me a ser rasgada pelas presas da culpa e a ser esventrada pelas garras do arrependimento e, nesta queda livre, sinto que o ar começa a escassear nos meus pulmões. 

Pergunto-me como pude eu ser tão egoísta, como pude eu ser tão estúpida e cega, ao ponto de não ver que ela precisava da minha ajuda? Ao ponto de, ao longo de quatro meses, não ter percebido que a minha amiga precisava de mim e da minha ajuda. Mesmo que ela esteja num país diferente, mesmo que eu já não a veja há mais de meio ano, como pude deixar que isto me escapasse? Como pude recolher-me tanto em mim, ao ponto de a ter deixado sem apoio? E porque é que ela não procurou a minha ajuda? Porque é que eu não lhe mostrei que estava lá para ela? 

Saber só agora, depois de tanto tempo, que ela está a perder a vontade de viver, que a minha guerreira está frágil e que não se sente amada, que se sente sozinha, está a destruir-me. Não, ela não me contou, mas era suposto eu ter percebido, certo? Quer dizer, eu sou amiga dela. Ela confiou em mim e contou-me todo o seu passado, que de negro não tem pouco e contou comigo e eu falhei-lhe. Fui tão egocêntrica que não vi que ela não estava bem. E como é que poderia estar depois de tudo aquilo porque passou no passado? E não, o facto de ela estar a milhares de quilómetros de mim não é desculpa, eu devia ter-me lembrado que ela anda sempre com aquela máscara impenetrável de divertimento, quando é uma pessoa atormentada por dentro, mas não pensei nisso. Pelo contrário, fui uma criança egoísta que não ligou a nada senão à sua própria dor e agora não sei como ajudá-la. Quero abraçá-la, dizer-lhe que gosto dela, que ela não está sozinha, que eu tenho saudades das nossas conversas descabidas mas com montes de gargalhadas à mistura. 

Mas não estou lá nem ela aqui e agora ela quer matar-se! Mas não pode, não pode porque eu não aguentaria. Porque ela é uma pessoa que merece viver, ser feliz e mudar o mundo. 

E, no meio de tudo, este foi o pedaço da conversa que fez o meu coração apertar-se mais:

"Leste a carta que te escrevi?"

"Tenho-a lido todos os dias."

Ainda que escrita pela minha mão e com todo o amor, e ainda que feita para uma altura difícil da vida dela, ela não devia ter de aguentar-se por causa de uma carta. Eu devia ter lá estado para ela. Mas não estive. E o passado não pode ser reescrito. Agora resta-me ajudá-la daqui em diante, nunca esquecendo a dor que senti hoje, ao aperceber-me de tudo.