sexta-feira, 25 de abril de 2014

As pessoas apaixonam-me.


As pessoas apaixonam-me.
Os seus gostos distintos, os sonhos que alimentam, as paixões que as percorrem. Mesmo não as compreendendo, apaixono-me pelos seus modos banais, pelas suas filosofias de vida tão próprias, pelos seus sorrisos despoletados sem razão alguma. Mesmo não as podendo entender, rendo-me às suas verdades subtis, aos seus gestos naturais, às suas particularidades interessantes. Mas como poderia eu entendê-las quando ainda nem a mim própria decifrei? Se nem nos meus trejeitos, nas minhas convicções e decisões, amores e desamores me compreendo? Talvez eu seja apenas um ser complicado e em nada me assemelhe aos transeuntes que comigo cruzam a rua e chegam ao outro lado desta estrada que é a vida, talvez eu seja mesmo diferente, mas interrogo-me se os meus gestos, as minhas manias, os meus jeitos e trejeitos únicos apaixonarão alguém que em mim prenda o olhar por meros segundos.
É verdade, desejando a morte, sou uma apaixonada pela vida: pelas vidas que desconheço. Amo demais, acredito demais, sonho demais e não obstante as quedas abismais que já dei, não posso evitar prender-me aos detalhes que não me pertencem. Numa paixão por números que já não sei entender, num gosto por chá que não possuo, num amor de mãe que ainda não sou capaz de compreender. Gosto de pessoas que caminham sem medo, de histórias humanas que me amolecem este coração de pedra, de amores que nascem dos locais mais recônditos. Gosto de pessoas de sorriso fácil, movimentos fluídos e personalidade forte. Gosto de pessoas que não ficam em casa, que não se conformam, de pessoas que amam as palavras e que escolhem o dia para sonhar acordadas. Gosto de pessoas que se perdem na noite a contemplar a abóbada celestial que se ergue acima das nossas cabeças e que confiam à Lua os seus segredos. Gosto de pessoas misteriosas que guardam o mundo num olhar discreto. Gosto de dias coloridos e de pessoas que assim os tornam. Gosto de olhares sinceros, de corações límpidos e de mãos corajosas. Gosto de boa música: de quem a ouve, de quem a compreende, de quem a compõe; e do ritmo certo da rotina quebrada. Gosto de aventureiros, de pessoas que sabem aceitar um desafio. Apaixonam-me as pessoas que amam a vida, que pegam nela e a moldam qual pedaço de barro. Pessoas que assumem o controlo do seu destino, que se encontram nas curvas e contracurvas, que amam incondicionalmente. Gosto de pessoas  que se entregam ao que fazem de corpo e alma, que inspiram, pessoas que sabem dar valor. Gosto de eternas crianças e de pessoas que dançam à chuva sem se importarem.
Gosto de pessoas que sorriem com o olhar.
E mesmo que não as possa compreender, continuarei a amar e a apaixonar-me pelas vidas que não me pertencem; pois o principal enigma reside ainda em mim mesma.

10 comentários:

  1. Fantástico :)
    R: Obrigada :p

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  2. Acho que no fim de tudo isto, fiquei a gostar de ti, porque gosto de pessoas como tu. Daquelas que se apaixonam pelo mundo sem se enxergaram a elas próprias. Acho que, no fundo, sou assim também "desejando a morte, sou uma apaixonada pela vida".
    Gostei muito.

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  3. Adoro pessoas que vêm assim o mundo. Adorei o teu texto :)

    R: Eu nunca vi o filme Hannibal mas pelo que percebi a série é uma adaptação mas, neste caso, no presente :)

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  4. E continua a apaixonar-te assim. Que te apaixones muito. E que, pelo caminho, respondas a todas as tuas dúvidas!

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  5. "Talvez eu seja apenas um ser complicado e em nada me assemelhe aos transeuntes que comigo cruzam a rua e chegam ao outro lado desta estrada que é a vida" Às vezes julgamo-nos seres estranhos mas isso é só porque não conseguimos entrar na cabeça dos outros. Talvez eles também se julguem assim (eu julgo, pelo menos!) e no fundo, talvez não sejamos mais que seres iguais numa mesma estrada, à procura do mesmo amor que nos trouxe ao mundo encarnado noutra pessoa :)

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  6. R: Dependerá apenas da vontade dele. Depois de terminarmos (em Novembro) ele continuou a rubrica (em Fevereiro) e as edições são publicadas sempre que eu recebo material - crónicas - para tal. Não te sei responder. Em alguns meses poderá haver, noutros não... Pode nunca mais haver essas publicações ou haver com frequência. Como disse, depende sempre da vontade do Sr. Presidente :)

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  7. Apaixonarmo-nos pelas coisas é o que faz a vida valer apena

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  8. Eu leio muitos blogs, leio textos de imensa gente, mas não há nada como isto...não há mesmo ninguém como tu. Eu chego aqui e penso "isto sou eu". Consegues sempre pôr em palavras as coisas que me passam pela cabeça mas que por mais que tente não consigo exteriorizar. Estar no teu blog faz-me sentir em casa.
    Este texto, bem.."isto sou eu". Esta tentativa de guardar pequenas coisas dos outros, pequenos gestos, trejeitos, manias, histórias, vivências...Esta incompreensão de mim mesma...tudo. É como se caísse para dentro das tuas frases.
    És uma grande, grande, grande escritora e as tuas palavras comovem-me sempre, minha querida, nunca deixes de cultivar este teu talento delicioso! :')

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"Se há um livro que queres ler, mas que ainda não foi escrito, então deves ser tu a escrevê-lo."