quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

but I'm not


Durante anos e anos a fio ouvi uma voz gritar-me aos ouvidos, dizendo-me que eu era uma besta quadrada, que era estúpida, que não merecia nada do que tinha e que mais valia não ter vindo ao mundo. Uma voz que me empurrava tanto para baixo que me fazia perder o chão.  E eu deixava que essas palavras entrassem no meu cérebro e se tornassem massa sólida da minha memória e do meu ser, ignorando de seguida o ímpeto de me defender, de ripostar. Durante anos, fechei-me no quarto e chorei depois de ouvir tais palavras, nunca as partilhando com ninguém, nunca as voltando a repetir senão para mim mesma a fim de me punir pela pessoa que acreditava ser. Ouvi todas estas palavras e muitas mais e toda a passividade em meu redor, tal silêncio de impávido assentimento das pessoas que, em raras ocasiões, escutavam esses gritos, fazia-me crer que aquela voz era irreal, mas que a sua conotação era incrivelmente verdadeira. Essa voz era a do meu pai, que destruía, dia após dia, as minha tentativas vãs de construir um pedacinho de auto estima. Todas essas palavras, no seu conjunto, fizeram-me acreditar que, de facto, eu era mesmo alguém detestável, nem sequer digno de ser amado pelo próprio progenitor. Nem sequer capaz de atrair o carinho do seu pai.
As coisas mudaram há cerca de cinco meses quando, pela primeira vez, eu me permiti retaliar em vez de ficar calada. Optei por responder, por me defender, por, finalmente, lhe mostrar que não sou a única pessoa errada aqui. E em que é que isso resultou? Bem, ele calou-se de vez. Há cinco meses que não troco uma palavra com o meu pai. Há cinco meses que ando a reconstruir a minha auto estima, optando por não deixar que as suas palavras do passado me arruínem e transformem em alguém que não sou. E é um caminho árduo, é um caminho doloroso, pois a cada dia que passa, sinto-me mais afastada desta família e ganho mais certezas de que não pertenço aqui. De que todo este tempo passado junto destas pessoas, não me valeu nenhum laço de amizade, carinho ou ternura.
Talvez seja por isto, por esta barreira de amor próprio ser ainda tão ténue, que ainda me afeta tanto ouvir outras vozes a mostrar-me que sou, de facto, um monstro. Talvez seja por isto que tanto me derruba ouvir a voz que melhor reconheço a dizer-me que já não sabe como me ama. Talvez o seja por tanto me relembrar da voz do meu pai e de tudo aquilo que quis dizer-lhe tantas vezes. Ou talvez seja apenas por eu não saber quem sou e por me assustar a hipótese de ser alguém detestável. Ou pela hipótese de nunca ninguém me poder amar pelo que sou, na íntegra, sem questões ou arrependimentos.
Estou perdida e volto a sentir estas palavras retumbarem na minha cabeça, consumindo as minhas forças, esgotando-me, fazendo-me definhar. E não sei que resposta lhes dar, pois neste momento tudo o que sei é que nelas está implícita uma dura realidade: Eu não sei não ser eu, e ser eu é mau.

4 comentários:

  1. Sermos nós mesmos nunca é mau! Acredita que irá aparecer alguém que nunca te dirá palavras más. Irá aparecer alguém que te amará sem restrições ou pudores. Não penses o pior de ti. Porque nada disso é verdade!

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  2. Não te rebaixes nem deixes que te humilhem, porque nada nem ninguém merece isso. Se precisares, estarei aqui, um beijinho.

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  3. Concordo com a Cláudia, sermos nós nunca é mau! Com o tempo começamos a acreditar nisso , sê paciente :)

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  4. És um exemplo a seguir. Não importa quantos erros tenhas cometido, não importa quantas vezes tenhas metido o pé na argola e tenhas feito asneiras monumentais. Não é só o facto de procurares, ainda que timidamente, ergueres o teu amor por ti mesma, mas também por o fazeres contra tudo aquilo que foste levada a acreditar durante muito tempo. Não consigo imaginar o quão doloroso seja para ti teres de confrontar a tua própria família, mas sei que é um gesto de tanta coragem e determinação que faz de ti alguém realmente forte, pois é preciso uma força sobre-humana para lutares contra o passado por um presente e futuro melhores.
    Eu sei que é dificil encontrares-te e dizer preto no branco aquilo que és; nem sei se isso vai acontecer algum dia, mas uma coisa que ajuda é ires riscando aquilo que não queres ser... e o facto de não quereres ser alguém que se sujeita a ser humilhada e rebaixada, e que no fundo ainda acredita que merece melhor...então isso já é um começo. Um bom começo.

    p.s. Eu não tenho andando muito por aqui, mas eu não me esqueço de ti, e lembra-te que tens aqui alguém a torcer para que os teus bons começos se repitam, uma e outra vez, porque mesmo que aches que seres tu é mau, tu mereces tudo de bom*

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"Se há um livro que queres ler, mas que ainda não foi escrito, então deves ser tu a escrevê-lo."